...sobre a interessante peça "Durações de um Minuto", ainda em cena no São Luiz (mas já não dura muito...) e da qual sinopse retirei o texto de Gonçalo M. Tavares que transcrevo abaixo e que levanta uma questão muito relevante sobre a forma como absorvemos o mundo de informações que nos rodeia, desde pequenos.
SOBRE A APRENDIZAGEM E O TEMPO
GONÇALO M. TAVARES
- Compreendo que aos cinquenta anos se seja mais esperto do que aos vinte. Mas eu não sou mais esperto às oito da noite do que às oito da manhã.Robert Musil
Mas não. Ao contrário do que diz a personagem de Musil, se tudo correr bem no dia de hoje, seremos mais espertos às oito da noite do que às oito da manhã.
Porque a questão é simples, se uma pessoa se sente mais sensata, lúcida, se sente que é mais inteligente aos cinquenta anos do que era aos vinte, isso só pode ser efeito de um longo somatório de acontecimentos. Não é um milagre, uma revelação - mas um longo processo.
(O recorde de crescimento mais lento de uma árvore “pertence a uma espécime de espruce (Picea sitchensis) que necessitou de 98 anos para atingir 28 centímetros.”)
Diga-se ainda que, como muitas vezes parece acontecer, o próprio rosto pode revelar o percurso intelectual. (Um bom exercício é passear pelas ruas de uma cidade, observar os rostos e os gestos de uma pessoa qualquer, e tentar concluir se essa pessoa terá lido muito ou pouco. Há quem acredite que pelo rosto se vê a biblioteca pessoal.)
GONÇALO M. TAVARES
- Compreendo que aos cinquenta anos se seja mais esperto do que aos vinte. Mas eu não sou mais esperto às oito da noite do que às oito da manhã.Robert Musil
Mas não. Ao contrário do que diz a personagem de Musil, se tudo correr bem no dia de hoje, seremos mais espertos às oito da noite do que às oito da manhã.
Porque a questão é simples, se uma pessoa se sente mais sensata, lúcida, se sente que é mais inteligente aos cinquenta anos do que era aos vinte, isso só pode ser efeito de um longo somatório de acontecimentos. Não é um milagre, uma revelação - mas um longo processo.
(O recorde de crescimento mais lento de uma árvore “pertence a uma espécime de espruce (Picea sitchensis) que necessitou de 98 anos para atingir 28 centímetros.”)
Diga-se ainda que, como muitas vezes parece acontecer, o próprio rosto pode revelar o percurso intelectual. (Um bom exercício é passear pelas ruas de uma cidade, observar os rostos e os gestos de uma pessoa qualquer, e tentar concluir se essa pessoa terá lido muito ou pouco. Há quem acredite que pelo rosto se vê a biblioteca pessoal.)
Até podíamos, por isso, imaginar uma pessoa colocada diante do espelho, com um cronómetro ao seu lado, a observar o seu rosto, de minuto a minuto, tentando testemunhar as suas próprias alterações intelectuais. Poderemos, levando o absurdo até ao fim, pensar em alguém que abandonasse por completo a vida e as suas experiências, e que canalizasse toda a sua energia para a observação do processo no qual ela se torna uma pessoa mais inteligente. Ou, então, alguém que acompanha a leitura de um livro denso dirigindo-se, de hora a hora, ao espelho para confirmar a boa evolução da sua inteligência.
Mas podemos considerar duas teorias, e não apenas uma, que relacionam inteligência e tempo. Uma que acredita que minuto a minuto nos tornamos mais sensatos porque vimos, ouvimos, lemos e experimentámos mais mundo; e outra que, pelo contrário, veja o aumento da sensatez de um homem por saltos: grandes períodos de paragem (em que a inteligência e a maturidade se mantêm estáveis) e outros períodos curtos (uma espécie de revoluções) nos quais, em pouco tempo, se muda muito.
(O crescimento de uma árvore mais rápido que se conhece: o de uma Albizzia falcata plantada em 17 de Junho de 1974 em Sabah, Malásia. A sua média de crescimento foi de 10,74 metros em treze meses.)
De qualquer forma há, em qualquer das teorias que se considere, uma visão optimista. Esta utopia do progresso ininterrupto – amanhã o mundo será mais inteligente do que hoje/e para o ano eu serei mais lúcido - vê o tempo como uma coisa que, ao passar pelo corpo dos seres vivos, os faz melhores; como se o tempo fosse um funcionário que nos presta bons cuidados – alimenta, embala, e ensina.
No entanto - mesmo não pensando no envelhecimento - talvez o tempo não seja assim um professor tão bom (ou nós é que somos maus alunos) e as coisas se passem, afinal, como as descreve um poema de Rafael Alberti: “Eu era um tonto, e o que vi fez de mim dois tontos”. Depois de muito esforço, às oito da noite tornámo-nos mais estúpidos do que éramos às oito da manhã.
Crescer dez metros num ano ou crescer trinta centímetros em cem anos - eis duas medidas de crescimento no reino vegetal. Mas isso talvez seja um outro assunto.
Mas podemos considerar duas teorias, e não apenas uma, que relacionam inteligência e tempo. Uma que acredita que minuto a minuto nos tornamos mais sensatos porque vimos, ouvimos, lemos e experimentámos mais mundo; e outra que, pelo contrário, veja o aumento da sensatez de um homem por saltos: grandes períodos de paragem (em que a inteligência e a maturidade se mantêm estáveis) e outros períodos curtos (uma espécie de revoluções) nos quais, em pouco tempo, se muda muito.
(O crescimento de uma árvore mais rápido que se conhece: o de uma Albizzia falcata plantada em 17 de Junho de 1974 em Sabah, Malásia. A sua média de crescimento foi de 10,74 metros em treze meses.)
De qualquer forma há, em qualquer das teorias que se considere, uma visão optimista. Esta utopia do progresso ininterrupto – amanhã o mundo será mais inteligente do que hoje/e para o ano eu serei mais lúcido - vê o tempo como uma coisa que, ao passar pelo corpo dos seres vivos, os faz melhores; como se o tempo fosse um funcionário que nos presta bons cuidados – alimenta, embala, e ensina.
No entanto - mesmo não pensando no envelhecimento - talvez o tempo não seja assim um professor tão bom (ou nós é que somos maus alunos) e as coisas se passem, afinal, como as descreve um poema de Rafael Alberti: “Eu era um tonto, e o que vi fez de mim dois tontos”. Depois de muito esforço, às oito da noite tornámo-nos mais estúpidos do que éramos às oito da manhã.
Crescer dez metros num ano ou crescer trinta centímetros em cem anos - eis duas medidas de crescimento no reino vegetal. Mas isso talvez seja um outro assunto.
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